Um Copo de Cólera, Raduan Nassar.
5 de jun. de 2014
a panela do meu estômago
"[...] eu estava dentro de mim, precisava naquele instante é duma escora, precisava mais do que nunca - pra atuar - dos gritos secundários de uma atriz, e fique bem claro que não queria balidos de plateia, longe disso, tinha a lúcida consciência então de que só queria meu berro tresmalhado, e ela nem tinha tanto a ver com tudo isso (concordo que é confuso, mas era assim), eu estava dentro de mim, eu já disse ( e que tumulto!), estava era as voltas c'o imbróglio, co'as cólicas, co'as contorções terríveis duma virulenta congestão, co'as coisas fermentadas na panela do meu estômago, as coisas todas que existiram fora e minhas formigas pouco a pouco carregaram, e elas eram ótimas carregadeiras as filhas-da-puta, isso elas eram excelentes, e as malditas insetas me tinham entrado por tudo quanto era olheiro, pela vista, pelas narinas, pelas orelhas, pelo buraco das orelhas especialmente! e alguém tinha de pagar, alguém sempre tem de pagar queria ou não, era esse um dos axiomas da vida, era esse o suporte instantâneo da cólera (quando não fosse o melhor alívio da culpa)[...]"